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quinta-feira, 21 de junho de 2018

Falar em público é como exercitar um músculo

Em meu ensino médio não fui exposto o suficiente para falar em público. Me recordo de apenas um seminário sobre um tema qualquer onde eu disse poucas frases aleatórias. Neste caso, um amigo do grupo preferiu falar a maior parte do trabalho. Me safei.

O tempo foi passando e pensei que jamais necessitaria passar pelo ‘constrangimento’ de falar em público. No entanto, a dimensão da minha habilidade era como se uma única pessoa já fosse um público. De natureza introspectiva, ao me ver dando bom dia, boa tarde e boa noite aos clientes de uma videolocadora (meu primeiro emprego), logicamente me surpreendi.

Começou difícil – assim como tudo na vida – e ao longo da jornada começou a ficar natural. A desinibição para conversar com os clientes, muitos dos quais ainda sou amigo, ficou dia após dia mais fácil.

Nova mudança à vista: novo emprego. Agora eu estava inserido em meio ao universo da informática. Trabalhar com TI me obrigou novamente a ficar em silêncio, olhar somente para a tela do computador, programar, analisar dados e compilar informações digitais.

Esse retorno à introspecção atrofiou minha habilidade de falar em público. Nas poucas oportunidade que tive, senti-me um pouco desconfortável. Logicamente, não foi o mesmo desconforto inicial, mas senti uma queda significativa de desempenho.

Nestes anos no mercado de trabalho pude então constatar o seguinte: falar em público é como exercitar um músculo. Se você não o exercita, ele atrofia. Há o conceito de “memória muscular” que diz que mesmo sem exercitar por um bom tempo o seu bíceps, por exemplo, quando você voltar à regularidade física ele retornará à forma de músculo ativo mais rapidamente do que se você iniciasse do zero.

Já fiz cursos, participei de diversas atividades e vi muitos vídeos no Youtube. Quer saber o resumo disso tudo? Não há técnica milagrosa. Você aprende uma coisa ou outra, como se portar numa palestra, como olhar para o público, como treinar no espelho, mas no final da história você só vai aprender fazendo. Apenas faça.

Muitos dizem: “mas e o medo”? Você acha que o piloto de guerra não sente um calafrio ao subir em sua aeronave? Não há outro meio, ou você vai lá e faz ou não vai desenvolver esse músculo da maneira adequada.

O grande resumo da ópera é que você pode fazer o treinamento mais fantástico do mundo, ler o livro mais empolgante da livraria, mas se não ir lá e falar para o seu público, para a sua sala de aula, para os seus colaboradores, nada vai adiantar.

Sim, a solução é mais simples do que parece: apenas fale e ponto final. A não ser que você seja um gênio da oratória, o início será difícil. Você vai errar, mas vai ficar mais forte com a jornada, com o desenvolvimento.

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Thiago Alencar - Cientista Social com pesquisas sociológicas nos temas: "Alta Performance e Produtividade no Trabalhador Contemporâneo"; "Empreendedorismo Social no Brasil" e "A síndrome de Burnout na Pós-Modernidade". Escreve em blogs há mais de 15 anos e busca ajudar as pessoas a enxergarem além da "Matrix".

Obs.: Deixe sua sugestão para mais textos e temas relevantes.

segunda-feira, 18 de junho de 2018

O sujeito autônomo como modelo a ser seguido

Em minhas pesquisas sobre a ascensão do individualismo pude constatar uma característica cada vez mais presente na definição do ser humano do século XXI. O sujeito autônomo hoje é o modelo a ser seguido pelo resto da sociedade.

O período histórico que ajuda didaticamente a localizar a ascensão deste sujeito está delimitado pela queda do muro de Berlin em 1989. A vitória irremediável do neoliberalismo representou também a bandeira da superioridade do livre mercado, da economia global e, não menos importante, a relevância do sujeito autônomo.

No sentido amplo da terminologia, o sujeito autônomo detêm habilidades que em outro período histórico seriam olhadas de esguelha por comunidades mais rústicas. Eis as “qualidades” fundamentais para a sobrevivência do sujeito autônomo em nosso tempo:

- hipercompetitividade;
- não cometer erros;
- ser dotado de agilidade e perspicácia para a resolução de problemas;
- resiliência;
- multitarefas;
- diariamente motivado;
- não pode estar triste;
- busca constante pela superação de si mesmo.

 Tais características determinam o sujeito autônomo, porém destaco ainda mais um elemento de grande importância. Este modelo de sujeito é dotado de uma responsabilização pelo seu sucesso ou fracasso, negando quaisquer fenômenos externos, tais como a esfera política ou econômica, que possam estar lhe barrando na realização constante de seus “sonhos”.

O discurso amplamente disseminado pelos manuais de gestão de pessoas, liderança ou serviços de coach profissional, tem vendido um mundo feito de algodão doce aos sujeitos “pré-autônomos”.
Afinal, se o vizinho conseguiu sair do zero e hoje está milionário, por que eu também não? Se o amigo do amigo hoje lucra desenfreadamente com a sua startup, por que eu não? Se o meu amigo bate todas as metas, ganha comissões cada vez maiores, por que eu não?

Estes questionamentos tem ligação direta com o desejo de tornar-se autônomo, resolver todos os problemas e superar a si mesmo. No entanto, tal posicionamento frente o mundo do trabalho – e até da vida como um todo – tem provocado um adoecimento psíquico social. A depressão, a ansiedade e o aumento massivo da venda de psicotrópicos aumenta ano após ano e essa progressão converge diretamente com a imposição de indivíduos (ou trabalhadores) heróis, responsáveis por tudo. Em outras palavras, o adoecimento psíquico está aumentando porque os sujeitos não estão sabendo lidar com estas exigências.

Não devemos omitir essa perspectiva problemática da sociedade. Necessitamos rever com certa urgência esse novo espírito autônomo que tem se vendido para a humanidade. Quando iremos perceber que os seres humanos não são máquinas?