Em minhas pesquisas sobre a ascensão do individualismo pude constatar
uma característica cada vez mais presente na definição do ser humano do
século XXI. O sujeito autônomo hoje é o modelo a ser seguido pelo resto
da sociedade.
O período histórico que ajuda didaticamente a localizar a ascensão
deste sujeito está delimitado pela queda do muro de Berlin em 1989. A
vitória irremediável do neoliberalismo representou também a bandeira da
superioridade do livre mercado, da economia global e, não menos
importante, a relevância do sujeito autônomo.
No sentido amplo da terminologia, o sujeito autônomo detêm
habilidades que em outro período histórico seriam olhadas de esguelha
por comunidades mais rústicas. Eis as “qualidades” fundamentais para a
sobrevivência do sujeito autônomo em nosso tempo:
- hipercompetitividade;
- não cometer erros;
- ser dotado de agilidade e perspicácia para a resolução de problemas;
- resiliência;
- multitarefas;
- diariamente motivado;
- não pode estar triste;
- busca constante pela superação de si mesmo.
Tais características determinam o sujeito autônomo, porém destaco
ainda mais um elemento de grande importância. Este modelo de sujeito é
dotado de uma responsabilização pelo seu sucesso ou fracasso,
negando quaisquer fenômenos externos, tais como a esfera política ou
econômica, que possam estar lhe barrando na realização constante de seus
“sonhos”.
O discurso amplamente disseminado pelos manuais de gestão de pessoas,
liderança ou serviços de coach profissional, tem vendido um mundo feito
de algodão doce aos sujeitos “pré-autônomos”.
Afinal, se o vizinho conseguiu sair do zero e hoje está milionário,
por que eu também não? Se o amigo do amigo hoje lucra desenfreadamente
com a sua startup, por que eu não? Se o meu amigo bate todas as metas,
ganha comissões cada vez maiores, por que eu não?
Estes questionamentos tem ligação direta com o desejo de tornar-se
autônomo, resolver todos os problemas e superar a si mesmo. No entanto,
tal posicionamento frente o mundo do trabalho – e até da vida como um
todo – tem provocado um adoecimento psíquico social. A depressão, a
ansiedade e o aumento massivo da venda de psicotrópicos aumenta ano após
ano e essa progressão converge diretamente com a imposição de
indivíduos (ou trabalhadores) heróis, responsáveis por tudo. Em outras
palavras, o adoecimento psíquico está aumentando porque os sujeitos não estão sabendo lidar com estas exigências.
Não devemos omitir essa perspectiva problemática da sociedade.
Necessitamos rever com certa urgência esse novo espírito autônomo que
tem se vendido para a humanidade. Quando iremos perceber que os seres
humanos não são máquinas?
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